Foi a única vez, em toda a história do JL, que na nossa capa apareceu a sua ‘figura’ em destaque numa cama de hospital. Tinha a seu lado Jorge Amado – e ser capa, nessa situação, logo se adivinha dever-se a um muito infeliz motivo: essa foi talvez a última foto, e de certeza a última com o seu amado Jorge, do já então quase “mítico” realizador brasileiro Glauber Rocha, que morreria poucos dias depois, com apenas 42 anos. Mítico? Outro grande baiano, escritor, João Ubaldo Ribeiro, como Glauber nesse momento a viver em Portugal, chamava-lhe “genial”, no emocionado texto que sobre ele escrevia nesse nº do JL, o 14, de 1 a 14 de setembro de 1981, no qual João Lopes comentava a sua obra. No interior tínhamos fotos inéditas recentes dos dois grandes amigos, Glauber e João, passeando na baixa lisboeta – e outra do cineasta, autor do famoso Terra em transe, no hospital, com Jorge e o cantor brasileiro Raimundo Fagner, esta e a da capa de Zélia Gattai, a companheira de Jorge, também escritora e sempre de máquina fotográfica em punho. Jorge ficou profundamente abalado com a morte de Glauber – estávamos em Viana do Castelo quando ele teve a notícia -, com quem tinha, assim como com João Ubaldo, uma ligação profunda: era, citando o futuro autor de Viva o Povo Brasileiro, o “patriarca” de ambos.
A matéria, porém, que ocupa mais páginas, quatro, nesta edição, é dedicada a esse inigualável criador e intérprete de guitarra portuguesa, Carlos Paredes, – com uma longa entrevista por António Duarte e uma crónica minha, na qual designadamente evocava os nossos recitais conjuntos, em que com a sua singularíssima modéstia “acompanhava”, nas suas palavras, os poemas que eu dizia, promovendo a poesia e a intervenção cívica. Mas há diversas outros temas em destaque. Assim, logo a abrir um texto de Luís Francisco Rebello sobre Bernardo Santareno, um anos após a sua morte (e recorde-se que este ano é o do centenário do seu nascimento), com a antecipação do final do 2º quadro de uma sua peça inédita. A seguir Mário Cláudio escreve sobre a correspondência inédita de António Nobre, com a revelação de fragmentos de algumas dessas cartas inéditas. E o exclusivo de uma entrevista com Jorge Luís Borges, mais um seu “alfabeto fantástico, de A a Z.
Em duas pp., como as matérias anteriores, temos, na área das ideias, “Aspetos culturais da emigração”, por Adriano Duarte Rodrigues, e, na das artes, um inquérito sobre a arte abstrata, a que respondem Ângelo de Sousa, António Sena, Eduardo Nery, Eurico Gonçalves, Jorge Pinheiro e Nadir Afonso. E temos um “debate-papo” repleto de notícias e novidades, de Eugénio de Andrade no Festival do México, em que Borges foi distinguido, a Manoel de Oliveira no Festival de Veneza e ao nosso Irineu Garcia (que neste nº escreve sobre Neruda) no Brasil para o relançamento de uma série de discos históricos, incluindo o primeiro da bossa nova, de que foi o editor. Aliás, e confirmando a crescente presença e projeção do JL do outro lado do Atlântico, também se noticia a edição de 5 mil posters em S. Paulo com um inédito de Antero aqui publicado (no nº 10) e um muito elogioso artigo no prestigiado O Estado de Minas sobre o nosso jornal, com transcrição de parte do meu texto de apresentação no nº 1.
As crónicas desta edição são de Abelaira, Agustina e Alexandre Pinheiro Torres. Mais, nomeadamente, a secção crítica variada e com a qualidade do costume, incluindo, na parte das letras, o fundamental “guarda-livros”. Mais, por exemplo, Manuel Frias Martins a escrever sobre Instrumentos para a melancolia, de Vasco Graça Moura, Miguel Serras Pereira sobre um livro de ensaios de António Ramos Rosa, publicando-se ainda seis poemas inéditos de Ramos Rosa, e Cecília Zockner sobre o recém publicado, no mundo hispânico, Crónica de uma morte anunciada – que eu viria a ter o gosto de editar em Portugal, com a chancela de O Jornal, irmão mais velho do JL…, traduzido pelo (Fernando) Assis (Pacheco).